Com aumento no número de mulheres e crianças, migração tem um novo perfil e demanda políticas de acolhimento no Paraná
Migração tem novo perfil e demanda políticas de acolhimento "Os lugares por onde passamos não são lugares seguros. Ainda mais com um bebê", lembra Yoana P...
Migração tem novo perfil e demanda políticas de acolhimento "Os lugares por onde passamos não são lugares seguros. Ainda mais com um bebê", lembra Yoana Pérez Gonzalez, de 19 anos, que percorreu o trajeto de Havana, em Cuba, até o Brasil. Ela chegou a Curitiba com 35 semanas de gravidez, fase final da gestação. "A gente vem com medo. Mas, graças a Deus, tudo acabou bem", conta. ✅ Siga o canal do g1 PR no WhatsApp Yoana viajou de barco ao lado do companheiro, Eudy Guerra, até chegar à costa da Guiana, país no norte da América do Sul que faz fronteira com o Brasil. De lá, ela explica que a família seguiu viagem por conta própria até Curitiba. Receosa, ela evita dar detalhes sobre o percurso. A jovem diz que passar tanto tempo na estrada naquela fase da gestação foi difícil. "Eu me sentia muito mal, com cólica, enjoo e todas essas coisas." Yoana Pérez Gonzalez, de 19 anos, se mudou de Havana, em Cuba, para Curitiba Maycon Hoffmann/RPC Em agosto deste ano, o casal chegou a Curitiba e foram para o apartamento que alugaram à distância, pela internet. A quitinete de menos de 40 metros quadrados estava vazia. Sem conhecer ninguém na cidade, Yoana e Eudy dormiram no chão durante as primeiras noites. “Nós estávamos dormindo no piso, com apenas uma colcha no chão para poder dormir”, descreve Yoana. O casal veio de Cuba apenas com uma mochila. "Eu não podia carregar peso, ainda mais naquela fase da gravidez", diz a jovem. Sem móveis em casa, Yoana dormia no chão aos 8 meses de gravidez Arquivo familiar Yoana e Eudy fazem parte de uma tendência identificada pelas instituições públicas e do terceiro setor que acompanham o tema: o perfil dos migrantes que chegam ao Brasil está passando por uma mudança. O g1 e a RPC investigaram, ao longo dos últimos três meses, o acesso de famílias migrantes e refugiadas às políticas públicas voltadas à primeira infância em Curitiba e no Paraná. Leia mais abaixo. ▶️ Este texto faz parte da série "Infâncias em Travessia". Com foco na primeira infância e nos impactos das políticas públicas sobre famílias migrantes, os textos discutem e mapeiam os caminhos físicos, emocionais e sociais que crianças migrantes e refugiadas percorrem na chegada ao Paraná. Acesse aqui todos os textos da série. Navegue por esta reportagem: Mudança no perfil migratório Acolhimento além do idioma Busca por um futuro Yoana e Eudy estão reconstruindo a vida no Paraná Maycon Hoffmann/RPC Foi uma vizinha cubana quem indicou a Yoana e Eudy o contato da voluntária Marluce Bely, da ONG Unidade Fraternidade, que apoia migrantes em Curitiba e integra a Pastoral do Migrante. Após uma mensagem enviada num domingo à noite Marluce mobilizou uma rede de solidariedade e, por meio de doações, ajudou a conseguir o básico para o lar da família. “Lembro que ela comprou um chuveiro para tomarmos banho, porque não havia nada. Eles nos forneceram cama, pia, fogão, malas, sofá, pratos e coisas para o bebê”, lembra Yoana. Eles contam que não têm amigos nem familiares em Curitiba e que escolheram a capital paranaense porque ouviram boas referências da cidade. O edifício no bairro Novo Mundo onde vivem Yoana, o companheiro e o bebê abriga dezenas de outras famílias estrangeiras, de diferentes nacionalidades. Mudança no perfil migratório: cubanos superam venezuelanos em pedidos de refúgio Dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) apontam uma mudança na nacionalidade que lidera os pedidos de refúgio no Brasil. Entre janeiro e outubro de 2025, foram 26.647 pedidos feitos por cubanos. Pela primeira vez, os cidadãos da ilha caribenha superaram os pedidos de refúgio feitos por venezuelanos, que somaram 13.686 no período. No Paraná, o cenário acompanha essa tendência: foram 2.270 pedidos de cubanos, sendo 1.666 registrados em Curitiba, o que revela uma nova configuração migratória na região. Além disso, Curitiba é a cidade brasileira que mais recebeu venezuelanos por meio da Operação Acolhida - que é coordenada pelo Subcomitê Federal de Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade. De acordo com o último levantamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência da ONU, 8.812 venezuelanos estão acolhidos na capital paranaense por meio do programa. O OBMigra aponta também um aumento no percentual de mulheres que solicitam refúgio no Brasil. Elas eram 10,1% em 2013, mas em 2025 passaram a representar 43,6% dos pedidos. Se em anos anteriores, os homens eram maioria absoluta nos pedidos de refúgio, a diferença tem se encurtado. Até setembro deste ano, foram 24.368 pedidos de mulheres contra 31.383 de homens. Segundo Márcia Ponce, secretária executiva da Regional Paraná da Cáritas Brasileira, o novo rosto da migração é um fenômeno global e já se reflete nos atendimentos realizados pela entidade, que atua como ponte entre o poder público e os migrantes. "Historicamente, a migração era liderada por homens. Hoje, vemos um movimento crescente de mulheres à frente", afirma. Muitas dessas mulheres chegam acompanhadas de filhos pequenos ou em grupos familiares maiores, com avós, filhas e netas. Acolhimento além do idioma Clefaude Estimable é psicólogo, especialista em mediação cultural e pesquisador na área de migração e saúde mental. Atua no apoio a migrantes e refugiados em diversos países da América Latina e do Caribe. Segundo ele, o acolhimento com migrantes vai muito além da tradução do idioma — exige sensibilidade e compreensão da diversidade cultural. Clefaude lembra de um caso que atendeu e o marcou: “Ela gritava durante o parto, mas era algo cultural, uma forma de expressão dela. O médico obstetra chamou um psiquiatra porque imaginava que ela estava em surto”. Claudia Vidigal, representante da Fundação Van Leer no Brasil — organização independente que promove o desenvolvimento integral na primeira infância — atua há mais de 20 anos na defesa dos direitos das crianças. Ela também colaborou na elaboração de guias voltados a famílias venezuelanas refugiadas e migrantes com filhos pequenos. Claudia destaca a importância de respeitar as diferenças culturais nas formas de exercer a maternidade, e valorizar a força dessas mulheres que recomeçam em um novo país. “Além da dor e dos desafios da migração, essas histórias carregam alegria, alívio e o desejo de recomeçar — de oferecer aos filhos um futuro diferente, mesmo diante das incertezas.” Ela reforça que essas trajetórias não devem ser apagadas, mas reconhecidas como histórias de resiliência. “É também bonito ver a coragem de quem pega os filhos e parte de um território de risco em busca de dignidade. E construir esse senso de gratidão — não como quem recebe, mas como povos irmãos que se apoiam — é essencial.” Yasiel Enrique, filho de Yoana e Eudy Maycon Hoffmann/RPC Busca por um futuro Migrante cubana faz pré-natal em Unidade de Saúde de Curitiba Danay Ivete Medina Figueired, de 25 anos, chegou de Havana no fim de janeiro, acompanhada do marido e do filho de três anos. Ela está na reta final de uma nova gestação e a reportagem a acompanhou em uma consulta na Unidade de Saúde Vitória Régia, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). A enfermeira que a atendeu contou que Danay chegou ao posto com baixo peso e anemia. Para a cubana, o atendimento em Curitiba é muito diferente do que recebeu no país de origem, durante a primeira gestação. “Aqui é totalmente diferente de Cuba. Tudo limpo, organizado. A ecografia mostra tudo direitinho. Lá não era assim.” Ela disse que espera um futuro melhor em Curitiba. Com um sorriso largo no rosto, Danay diz que o filho mais velho está encantado com Curitiba e adora os parques da cidade. “Ele está muito feliz por ter um irmãozinho e por estar no Brasil. Diz que não quer voltar para Cuba. Está muito contente aqui.” O bebê de Danay nasceu saudável no dia 16 de outubro. *Com colaboração de Matheus Karam e Maria Pohler, assistentes de produtos digitais do g1 Paraná. Esta reportagem recebeu apoio do programa “Early Childhood Reporting Fellowship”, do Global Center for Journalism and Trauma. VÍDEOS: Mais assistidos do g1 Paraná Leia mais notícias no g1 Paraná.